quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Como perder uma chance de ser feliz

Acordei com meu corpo ainda achando que era noite. O despertador silenciava e alguns fracos raios de luz haviam encontrado o caminho para meu quarto pelas frestas da cortina. Mais uma vez, a preocupação antecipou a hora de levantar.
Encarei o teto por alguns minutos. Derramadas ali, minhas angústias manchavam aquela superfície branca e lisa de gesso. Elas escorriam... e pingavam em mim.
Rolei para o lado. Bem que esses problemas podiam grudar nos lençóis e soltar de vez de meu corpo cansado.
Mas não. Eles levantaram comigo e acompanharam meu cambaleado sonolento até a cozinha.
O cheiro do café perfumava aquela manhã e a calma com que eu preparava o desjejum me fazia acreditar que estava vivendo as primeiras horas de um descompromissado sábado. Era bom fingir que acreditava naquilo.
O dia se exibia por trás da janela. Flertei por alguns segundos com aquele exuberante céu. Indeciso, ele ainda não havia resolvido que cor preencheria sua imensidão. Meu coração apertou.
 Senti vontade de lamentar.
A poucas horas dali, uma cadeira me esperava no escritório. Todo dia, a necessidade me algemava àquele lugar.
Senti meus problemas me cutucarem no ombro. Havia esquecido por valiosos instantes que eles estavam ali.
“Que inconveniência”, pensei, a testa franzida e o peito cheio de reclamações.
Fechei a cara e o dia. Enquanto me preparava para sair, coloquei o guarda-chuva na bolsa.


quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Era 7 de outubro

Aquele som invadia minha sala. Tomava o lugar de uma monotonia habitual, que costumava preencher os espaços entre mesas, cadeiras, computadores e cabeças.

Aquelas vozes batiam com fervor às janelas fechadas das margens verticais da Avenida Presidente Vargas. Elas clamavam pelo silêncio conformado de todos nós.

Porém, já eram 18h. Arrumei minhas coisas e levantei.

De saída, vi que as pessoas compartilhavam sua preocupação sobre como voltariam para casa. Ninguém parecia escutar o que diziam as vozes da rua. O canto que vibrava o ar frio daquele início de noite era ali só mais um barulho da cidade.

Eu estava no hall, encarando aquelas portas de madeira, esperando que uma se abrisse e me levasse direto ao fim do expediente de mais um dia de trabalho.  Mas aqueles gritos haviam me seguido. Atravessaram portas e paredes e também minha pele e ossos. Ecoavam dentro de mim. Aflita, entrei no elevador.

A rua estava repleta de pensamentos e palavras. Enquanto caminhava contra aquela corrente de gente, quis me deixar levar a maior parte do tempo. Olhar para aqueles olhos sedentos de solidariedade era como encarar um espelho: eu tampouco entendia porque não me juntava àquela massa cidadã.

Decepcionada, segui meu rumo. Sabia que mais tarde aquelas pessoas teriam que encarar a PM e suas armas, que ferem o corpo e a dignidade de quem luta pelo coletivo (e isso inclui os próprios policiais). Mas continuei dando, um a um, meus passos egoístas em direção à Estação Uruguaiana.

Entrei no metrô. O som ali não tinha a solidez das ruas: eram fragmentos individuais, dispersos, pessoais. Eram muitas pessoas, mas apenas pessoas. Sem força, sem união, ligadas apenas pelo desejo de chegar logo a suas casas. E ali estava eu.

Sentei triste e acanhada no trem. Empunhei minha educação e escrevi, li e me informei. Lembrei-me de cada palavra de progresso, cada lição que já levei das salas de aula por onde passei, de todo o esforço e nobreza daqueles que dedicam a vida a construir uma sociedade melhor.

Meu grito não havia se juntado ao dos professores naquela noite. Mas ali, no meio daquelas dezenas de pessoas que acompanhavam o balanço do vagão, eu me importava. Eu pensava e refletia.

E novamente, aquelas vozes invadiram o espaço. Dessa vez, porém, emanavam silenciosamente de dentro de mim.

Com a culpa dos omissos pesando sobre meus ombros, me escorei na janela escura do trem. Sentada, adormeci.