Acordei com meu corpo ainda achando que era noite. O despertador silenciava e alguns fracos raios de luz haviam encontrado o caminho para meu quarto pelas frestas da cortina. Mais uma vez, a preocupação antecipou a hora de levantar.
Encarei o teto por alguns minutos. Derramadas ali, minhas angústias manchavam aquela superfície branca e lisa de gesso. Elas escorriam... e pingavam em mim.
Rolei para o lado. Bem que esses problemas podiam grudar nos lençóis e soltar de vez de meu corpo cansado.
Mas não. Eles levantaram comigo e acompanharam meu cambaleado sonolento até a cozinha.
O cheiro do café perfumava aquela manhã e a calma com que eu preparava o desjejum me fazia acreditar que estava vivendo as primeiras horas de um descompromissado sábado. Era bom fingir que acreditava naquilo.
O dia se exibia por trás da janela. Flertei por alguns segundos com aquele exuberante céu. Indeciso, ele ainda não havia resolvido que cor preencheria sua imensidão. Meu coração apertou.
Senti vontade de lamentar.
A poucas horas dali, uma cadeira me esperava no escritório. Todo dia, a necessidade me algemava àquele lugar.
Senti meus problemas me cutucarem no ombro. Havia esquecido por valiosos instantes que eles estavam ali.
“Que inconveniência”, pensei, a testa franzida e o peito cheio de reclamações.
Fechei a cara e o dia. Enquanto me preparava para sair, coloquei o guarda-chuva na bolsa.
quinta-feira, 24 de outubro de 2013
quarta-feira, 9 de outubro de 2013
Era 7 de outubro
Aquele som invadia minha sala. Tomava o lugar de uma monotonia habitual, que costumava preencher os espaços entre mesas, cadeiras, computadores e cabeças.
Aquelas vozes batiam com fervor às janelas fechadas das margens verticais da Avenida Presidente Vargas. Elas clamavam pelo silêncio conformado de todos nós.
Porém, já eram 18h. Arrumei minhas coisas e levantei.
De saída, vi que as pessoas compartilhavam sua preocupação sobre como voltariam para casa. Ninguém parecia escutar o que diziam as vozes da rua. O canto que vibrava o ar frio daquele início de noite era ali só mais um barulho da cidade.
Eu estava no hall, encarando aquelas portas de madeira, esperando que uma se abrisse e me levasse direto ao fim do expediente de mais um dia de trabalho. Mas aqueles gritos haviam me seguido. Atravessaram portas e paredes e também minha pele e ossos. Ecoavam dentro de mim. Aflita, entrei no elevador.
A rua estava repleta de pensamentos e palavras. Enquanto caminhava contra aquela corrente de gente, quis me deixar levar a maior parte do tempo. Olhar para aqueles olhos sedentos de solidariedade era como encarar um espelho: eu tampouco entendia porque não me juntava àquela massa cidadã.
Decepcionada, segui meu rumo. Sabia que mais tarde aquelas pessoas teriam que encarar a PM e suas armas, que ferem o corpo e a dignidade de quem luta pelo coletivo (e isso inclui os próprios policiais). Mas continuei dando, um a um, meus passos egoístas em direção à Estação Uruguaiana.
Entrei no metrô. O som ali não tinha a solidez das ruas: eram fragmentos individuais, dispersos, pessoais. Eram muitas pessoas, mas apenas pessoas. Sem força, sem união, ligadas apenas pelo desejo de chegar logo a suas casas. E ali estava eu.
Sentei triste e acanhada no trem. Empunhei minha educação e escrevi, li e me informei. Lembrei-me de cada palavra de progresso, cada lição que já levei das salas de aula por onde passei, de todo o esforço e nobreza daqueles que dedicam a vida a construir uma sociedade melhor.
Meu grito não havia se juntado ao dos professores naquela noite. Mas ali, no meio daquelas dezenas de pessoas que acompanhavam o balanço do vagão, eu me importava. Eu pensava e refletia.
E novamente, aquelas vozes invadiram o espaço. Dessa vez, porém, emanavam silenciosamente de dentro de mim.
Com a culpa dos omissos pesando sobre meus ombros, me escorei na janela escura do trem. Sentada, adormeci.
Aquelas vozes batiam com fervor às janelas fechadas das margens verticais da Avenida Presidente Vargas. Elas clamavam pelo silêncio conformado de todos nós.
Porém, já eram 18h. Arrumei minhas coisas e levantei.
De saída, vi que as pessoas compartilhavam sua preocupação sobre como voltariam para casa. Ninguém parecia escutar o que diziam as vozes da rua. O canto que vibrava o ar frio daquele início de noite era ali só mais um barulho da cidade.
Eu estava no hall, encarando aquelas portas de madeira, esperando que uma se abrisse e me levasse direto ao fim do expediente de mais um dia de trabalho. Mas aqueles gritos haviam me seguido. Atravessaram portas e paredes e também minha pele e ossos. Ecoavam dentro de mim. Aflita, entrei no elevador.
A rua estava repleta de pensamentos e palavras. Enquanto caminhava contra aquela corrente de gente, quis me deixar levar a maior parte do tempo. Olhar para aqueles olhos sedentos de solidariedade era como encarar um espelho: eu tampouco entendia porque não me juntava àquela massa cidadã.
Decepcionada, segui meu rumo. Sabia que mais tarde aquelas pessoas teriam que encarar a PM e suas armas, que ferem o corpo e a dignidade de quem luta pelo coletivo (e isso inclui os próprios policiais). Mas continuei dando, um a um, meus passos egoístas em direção à Estação Uruguaiana.
Entrei no metrô. O som ali não tinha a solidez das ruas: eram fragmentos individuais, dispersos, pessoais. Eram muitas pessoas, mas apenas pessoas. Sem força, sem união, ligadas apenas pelo desejo de chegar logo a suas casas. E ali estava eu.
Sentei triste e acanhada no trem. Empunhei minha educação e escrevi, li e me informei. Lembrei-me de cada palavra de progresso, cada lição que já levei das salas de aula por onde passei, de todo o esforço e nobreza daqueles que dedicam a vida a construir uma sociedade melhor.
Meu grito não havia se juntado ao dos professores naquela noite. Mas ali, no meio daquelas dezenas de pessoas que acompanhavam o balanço do vagão, eu me importava. Eu pensava e refletia.
E novamente, aquelas vozes invadiram o espaço. Dessa vez, porém, emanavam silenciosamente de dentro de mim.
Com a culpa dos omissos pesando sobre meus ombros, me escorei na janela escura do trem. Sentada, adormeci.
sábado, 21 de setembro de 2013
Com palavras, fotografei
Sou fã das imagens, mas meu coração sem dúvidas é das palavras.
Certa vez, um grande professor contestou com autoridade aquele velho provérbio chinês "uma imagem vale mais do que mil palavras". Parafraseando Millôr, ele disse: "Ora, se uma imagem vale mais do que mil palavras, então diga isso com uma imagem".
Alguns dias depois, me peguei admirando uma paisagem incrível a caminho do estágio e quis fotografar aquilo que meus olhos registravam. Meu celular, porém, estava sem bateria.
Foi ali que percebi que meu professor estava certo, pois aquele momento não se tratava apenas do que eu via, mas de tudo que sentia. Não era apenas uma cena bonita, mas sim uma alegria que me tomava sem nenhum motivo especial.
Sem dispor de nenhuma tecnologia - por sorte - registrei aquele momento de forma mais rudimentar. E funcionou:
Era dia de semana. O sol cobria as pistas do Aterro do Flamengo como um manto suave e amarelo. Na baia, barquinhos balançavam lentamente ao ritmo de uma bossa inaudível. Ao centro, o solene Pão de Açúcar cumpria com competência seu papel de protagonista, roubando a atenção de tudo que o cercava. O verde brilhante das jovens folhas das árvores ao longo do caminho me lembrava de que a primavera se aproximava. Algumas já exibiam simpáticas flores, que somavam àquela aquarela viva novos tons. O vento que entrava pela janela do ônibus vinha carregado de sonhos e esperanças dissolvidos no frescor que enche o ar das manhãs do Rio. A música invadia meus ouvidos e tomava minha cabeça de tal forma que era estranha a ideia de que o resto do mundo não a estava escutando. Aqueles acordes uniam todos os lindos detalhes daquele momento com tal solidez, que parecia que o tempo iria ali descansar.
Era só mais uma segunda-feira, mais um xis no calendário, mais um passo, mais um degrau.
Certa vez, um grande professor contestou com autoridade aquele velho provérbio chinês "uma imagem vale mais do que mil palavras". Parafraseando Millôr, ele disse: "Ora, se uma imagem vale mais do que mil palavras, então diga isso com uma imagem".
Alguns dias depois, me peguei admirando uma paisagem incrível a caminho do estágio e quis fotografar aquilo que meus olhos registravam. Meu celular, porém, estava sem bateria.
Foi ali que percebi que meu professor estava certo, pois aquele momento não se tratava apenas do que eu via, mas de tudo que sentia. Não era apenas uma cena bonita, mas sim uma alegria que me tomava sem nenhum motivo especial.
Sem dispor de nenhuma tecnologia - por sorte - registrei aquele momento de forma mais rudimentar. E funcionou:
Era dia de semana. O sol cobria as pistas do Aterro do Flamengo como um manto suave e amarelo. Na baia, barquinhos balançavam lentamente ao ritmo de uma bossa inaudível. Ao centro, o solene Pão de Açúcar cumpria com competência seu papel de protagonista, roubando a atenção de tudo que o cercava. O verde brilhante das jovens folhas das árvores ao longo do caminho me lembrava de que a primavera se aproximava. Algumas já exibiam simpáticas flores, que somavam àquela aquarela viva novos tons. O vento que entrava pela janela do ônibus vinha carregado de sonhos e esperanças dissolvidos no frescor que enche o ar das manhãs do Rio. A música invadia meus ouvidos e tomava minha cabeça de tal forma que era estranha a ideia de que o resto do mundo não a estava escutando. Aqueles acordes uniam todos os lindos detalhes daquele momento com tal solidez, que parecia que o tempo iria ali descansar.
Era só mais uma segunda-feira, mais um xis no calendário, mais um passo, mais um degrau.
quinta-feira, 1 de agosto de 2013
Prefiro as Margaridas

Um dos principais argumentos das vadias e simpatizantes é
justamente a generalização que os críticos fazem das manifestantes. Elas alegam
que os episódios que mais chocaram e foram reprovados pela sociedade não faziam
parte do protesto e que não devemos julgar o movimento por esses atos
grosseiros. Pois bem, para começar, um recado para as vadias: se não querem que
generalizemos o movimento de vocês, não generalizem as nossas opiniões. Eu não
sou obrigada a engolir a sua Marcha promíscua, pois tenho essa LIBERDADE. E não
engulo, de modo geral, pois se tornou um protesto totalmente desvirtuado.
Acompanhei alguns momentos através das mídias alternativas e
quase nada pelas tradicionais, ou seja, posso dizer com segurança que meu
cérebro não foi lavado por nenhuma grande emissora de TV ou jornal. O que vi
nas fotos e li nos cartazes não me agradou nem um pouco. Não vi
nenhuma reivindicação muito bem pontuada. Falavam muito de liberdade do corpo,
Estado laico, estupro, aborto, machismo. Ok. E aí? O que as vadias querem mudar
exatamente com isso?
Alguns tópicos são fáceis de esclarecer. Quanto ao aborto,
querem a sua legalização e a aprovação do PLC 3/2013. Em questões de saúde
pública, eu concordo. Porém, abortar é uma coisa que não sei se faria, não somente
por não ser legal, mas porque se acontecesse comigo, seria por culpa minha. A não
ser, é claro, em caso de risco de vida e estupro, o que já é permitido por lei.
A questão do Estado laico está certíssima! É um absurdo que
líderes de grandes instituições religiosas estejam enfurnados nos mais variados
cargos políticos. Eles empacam projetos importantes e são movidos por
interesses alheios aos do povo de modo geral. Isso é completamente sujo e deve
ser mudado. Mas como? É uma mudança possível sob as leis e a nossa
Constituição? Eu ainda não sei, infelizmente, mas acredito que quem estava nas
ruas gritando a plenos pulmões por isso deveria saber.
O estupro... bem, o estupro é crime hediondo, não é? O que
entendi quanto à questão do estupro, na verdade, se aproxima mais de outro
grito das vadias: a liberdade do corpo. Pelo que li sobre a tão comentada
“história da Marcha das Vadias”, tudo começou quando, no Canadá, um guarda
atribuiu parte da culpa de um estupro à forma como a vítima se vestia. Sim, um
absurdo. Mas e daí? Será que elas acham que isso diminui a pena do estuprador?
Ou que a maioria da sociedade concorda com uma barbaridade dessas? É claro que
não!!! Na verdade, quem acha que uma saia curta justifica um estupro é quase
tão doente quanto o criminoso! E essas pessoas existem, assim como existem os
estupradores e outras aberrações. Mas, certamente, não são a maioria.
É certo que essa reivindicação de “liberdade do corpo” é a
mais polêmica. Pode ser ignorância da minha parte, mas não consigo visualizar o
que elas querem com isso. Querem sair com os peitos de fora? Usar saia curta ou
vestido colado sem serem taxadas de piranhas? É isso? Por que se é, estão
perdendo tempo. E não digo por mim, que fique claro. Digo por todos. Se vestir-se
(ou não) dessa forma é tão importante para um grupo de pessoas, eu não estou
nem ligando. Vá em frente e vista-se (ou não) como quiser! Agora, querer
penetrar no subconsciente da sociedade para forçá-la a não julgar ninguém por isso
é acreditar em unicórnios. Nós julgamos os outros o tempo todo, falamos mal das
pessoas em todos os sentidos possíveis e imagináveis. Isso é intrínseco ao ser
humano. Se elas acham que essa marcha vai mudar esse fato, estão enganadas.
As mulheres são livres para usar o que quiserem e mostrar o que quiserem também, contanto que aceitem os olhares tortos dos outros ou encarem o desafio de quebrar o prejulgamento daqueles que se aproximarão delas e terão a oportunidade de conhecê-las de fato, pois esta sim é uma forma efetiva de mudar aos poucos a cabeça das pessoas.
Havia também outra palavra que enchia os cartazes
das vadias: o machismo. Sim, os homens vão te julgar. Sei que muitas mulheres
não se interessam nessa parte, mas ainda há aquelas que sim, então vale dizer
mais uma vez: os homens vão te julgar! Triste, não é? Mas é verdade e até tem
fundamento. Ainda existem pessoas na Terra que querem viver uma vida em casal,
com companheirismo e confiança, que querem ter filhos e planos. E por isso, da
mesma forma como as mulheres repelem os homens taxados como “galinhas”, aqueles
que se acham LIVRES para fazer o que quiserem o tempo todo, eles também repelem
as mulheres taxadas de “vadias”. Para pessoas que
querem alguém com quem se estabilizar, toda essa LIBERDADE assusta, de ambos os
lados. E dessa precaução, nasceu o preconceito tão atacado pelas vadias.
Outra abordagem interessante das manifestantes era contra os
padrões de beleza atuais. Concordo com esse ponto, afinal, muitas mulheres são
agredidas diariamente por esses estereótipos que ditam que beleza é ter o corpo
magro e esculpido, os cabelos lisos, o nariz fino e os peitos grandes. De fato, isso é uma forma violência. Porém,
mais uma vez nos deparamos com questões culturais e sociológicas. E como se
leva tempo para mudar a cabeça de tanta gente! Principalmente enquanto continuarmos
nos deparando com propagandas que tratam a mulher como objeto e enquanto chamar
alguém de “gordo” ou “feio” for uma grande ofensa.
Despertou-me a curiosidade quando vi tantas pessoas
comentando sobre a história dessa marcha e jogando na cara daquelas que
criticavam o movimento que elas tinham muito que agradecer às vadias. Contudo,
dei uma olhada nessa tal história, de apenas três anos, e não encontrei nenhuma
conquista especificada, pelo menos no caso da marcha no Brasil. Talvez estejamos
sendo muito cruéis com a Marcha das Vadias. Talvez o que ela esteja precisando seja evoluir e se tornar um movimento mais concreto e sério.
Em meio aos sites feministas por onde passei, contudo, achei
uma segunda marcha muito interessante. O nome é Marcha das Margaridas e ela é
organizada por mulheres trabalhadoras rurais, a fim de combater a fome, a
pobreza e a violência sexista, além de pedir por paz e igualdade de gênero.
Esse movimento, ao contrário da Marcha das Vadias, acumula algumas conquistas
políticas e sociais relevantes em sua história.
O que apodreceu a marcha que aconteceu nesse último fim de
semana, na verdade, não foram os seus argumentos, mas sim a vulgarização do
protesto, que deveria chamar mais atenção pelas suas reivindicações do que pela
polêmica que gerou. As cenas de pessoas quebrando e fazendo gestos obscenos com
imagens sagradas para os católicos (com o consentimento das demais
manifestantes que estavam ao redor, que inclusive fizeram um cordão de
isolamento), bem no meio de um dos maiores eventos dessa religião no mundo,
manifestantes bebendo e fazendo demonstrações vulgares na frente de idosos e
crianças, tudo isso foi uma falta de respeito desnecessária, que apenas chocou
as pessoas e nada mais. Aqueles que pensam com suas cabeças “machistas”,
continuaram e continuarão pensando da mesma forma após esse protesto. Na
verdade, as vadias só pioraram a imagem dos movimentos feministas
perante a sociedade.
Fico na torcida para que essa marcha, numa próxima
oportunidade, se concentre mais no que pede, amadureça e se torne de fato um
movimento forte e respeitado que, principalmente, respeita as diversidades,
inclusive a religiosa.
Contabilizem uma conquista na lista da Marcha das Vadias: a
consciência de que se pode fazer bem melhor. Boa sorte no próximo ano.
quinta-feira, 9 de maio de 2013
Não gosto de rimas, mas gosto de poesia
sexta-feira, 3 de maio de 2013
Eles passarão... eu passarinho!
Gosto de ti pois enxergo em tuas palavras os mesmos medos e dores que afligem o meu coração.
Como podes transformar minhas angústias mais íntimas em versos tão belos, a ponto de torná-las tão menos assustadoras? Chego a sentir-me invadida com toda essa empatia literária.
É impossível deixar de me encantar com a mágica que tuas palavras fazem em minha cabeça, organizando cada reflexão errante dentro dela.
Gosto de ti, pois quando leio teus poemas é como se achasse uma clareira brilhante e fresca no meio de uma floresta densa e escura, um abrigo para a minha mente.
Obrigada por me fazer entender e crer que "uma vida não basta ser vivida: também precisa ser sonhada." Hoje, sem sonhos, não seria ninguém.
Mario Quintana - Ídolo e Poeta
sábado, 20 de abril de 2013
Um espírito nada santo
O atual presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, o deputado e pastor Marco Feliciano (PSC), vem dando o que falar desde que tomou posse no cargo.
O que mais revolta a oposição de Feliciano é o caráter explicitamente religioso dos seus atos e afirmações. Conhecido por suas declarações racistas e homofóbicas e por pregar a aversão a essas minorias na sua Igreja, o pastor não poderia ser mais polêmico e controverso ao assumir uma Comissão cuja responsabilidade é justamente discutir meios de melhorar a vida desses brasileiros discriminados pela sociedade.
Seja homossexual, negro, ateu ou mesmo devoto a outra religião, todos são seres amaldiçoados e que ameaçam a família e a ordem divina, segundo o pastor. Não se pode deixar de notar que todas as afirmações ofensivas de Feliciano deixam explícito o ódio entranhado em cada palavra que sai de sua boca. Apesar de sempre se dizer embasado por passagens bíblicas, o deputado não parece se preocupar em contextualizar as suas interpretações demasiadamente obsoletas, se importando mais com o julgamento do bem e do mal do que com o amor ao próximo. Aliás, julgar não parece ser a principal ocupação do popstar evangélico, que vive esmerando-se por aí em vender mais discos e livros e em garantir o dízimo nosso de cada dia.
Fomos arrastados por uma enxurrada de vídeos e recortes de tweets nas redes sociais e nos próprios veículos de comunicação, que deixam bem claro o quanto o pastor anda tirando sinceras vantagens de sua negativa (ou não) onda de sucesso. Seus cultos estão cada vez mais lotados, visto que junto com a multidão que não se cansa de gritar para que o deputado se retire da presidência da Comissão, veio também o "exército de Deus", assim intitulado pelo próprio pastor, armado com seus argumentos divinos e com a ira sagrada do Senhor, pronto para lutar ao lado do abençoado Feliciano.
Os mais desconfiados dizem que todo esse alarde em torno do caso Feliciano está servindo de véu para casos mais relevantes dentro da política, mantendo o povo distraído entre protestos e beijos homoafetivos entre artistas influentes.
Contudo, não podemos fechar os olhos para o lado bom de toda esta bagunça: a sociedade foi cutucada com a vara curta e respondeu violentamente a essa provocação, a ponto de fazer com o que presidente da Câmara dos Deputados, Henrique Alves (PMDB), se manifestasse em relação ao caso, alegando estar preocupado com a imagem da Casa perante os brasileiros.
Ainda assim, nem o presidente da Câmara e nem o povo foram o suficiente para que Feliciano sofresse um surto de bom senso e renunciasse ao cargo. Resta-nos, portanto, ao menos transformar todo esse absurdo em humor e dar umas risadas das afirmações infames do pastor.
Infelizmente e mais uma vez, vemos a política brasileira virando piada, mas desta vez fora dos programas humorísticos e dos microfones ousados dos seus repórteres. Em vez disso, vivenciamos um cômico reality show recheado de escândalos e intrigas, mais reality do que show.
quinta-feira, 28 de março de 2013
Sinto falta de mim
O vento varre ruas, acaricia rostos
estranhos, pelos e cabelos, arranca folhas, levanta saias, carrega
papéis e, mesmo assim, entra pela janela do meu quarto incolor e sem
cheiro algum, fazendo-se perceptível apenas pela sutil sensação
que provoca na superfície de minha pele e pelo alvoroço de minhas
cortinas, sempre muito alegres ao recebê-lo.
O vento transita e se mistura a mundos
e pessoas, mas continua sendo o que é. Incorrupto e impassível, ele
não se finge de brisa nem de tempestade: é apenas aquilo ali, que
todos já conhecemos.
Há de se ter muita coragem para ser
como o vento: cru e essencial. Coragem essa que não é digna de
todos nós, humanos, que sempre carregamos migalhas dos lugares e dos
outros em nossas roupas.
É fatal ao homem essa facilidade de se
deixar violar pelo ideal coletivo. Em nosso subconsciente, até
aquilo que juramos ser de nossa própria vontade é movido por
ideias alheias, pela ética e pela moral. Por esse defeito, pagamos
com nossa essência, que aos poucos e ao longo do tempo, vai se
reduzindo a um pedacinho morno e inalcançável de nosso eu.
E então, de repente, percebemos que nossas lembranças são protagonizadas por uma pessoa que não reconhecemos mais, que ficou presa nas grades dos estereótipos e padrões sociais.
E então, de repente, percebemos que nossas lembranças são protagonizadas por uma pessoa que não reconhecemos mais, que ficou presa nas grades dos estereótipos e padrões sociais.
A vida corre e nos arrasta
violentamente com ela, obrigando-nos a agarrar certas coisas e largar
outras. Se soubéssemos segurar e defender a coisa certa por esse
caminho repleto de choques e solavancos, não seríamos o que fomos e
seremos, mas apenas o que somos, como o vento.
"Não creio, no sentido filosófico do termo, na liberdade do homem. Todos agem não apenas sob um constrangimento exterior mas também de acordo com uma necessidade interior."
Albert Einstein
![]() |
Nicoletta Ceccoli |
"A saudade que dói mais fundo - e irremediavelmente - é a saudade que temos de nós." - Mario Quintana
domingo, 17 de março de 2013
E na aula de documentação gráfica...
... Escrevi uma crônica legalzinha.
O nascimento de uma internauta
Há muitos anos atrás, naveguei pela grande rede pela primeira vez. Eu estava com uma amiga na casa de um tio meu, que na época possuía o luxo de poder acessar a internet discada antes da meia-noite. Estávamos entediadas e querendo ir embora, enquanto os adultos se esbanjavam em cerveja e churrasco.
Numa tentativa bem sucedida de nos distrair e fazer com nós parássemos de perturbar nossos embriagados pais, meu tio nos apresentou às salas de bate-papo de um grande provedor e, logo de cara, já sabíamos em qual delas iriamos nos aventurar: paquera. Queríamos nos divertir! Escolhemos um nickname bem conveniente para a situação, do tipo “Gatinhas_Rio_2001” e fomos adiante.
Conhecemos uma, duas, dezenas de pessoas só naquela noite, que cheirava a picanha na brasa e álcool. Gostávamos de poder nos descrever fisicamente, o que fazíamos, obviamente, de forma a valorizar mais do que o bastante os nossos jovens e sutis atributos físicos. Gostávamos de como as pessoas se interessavam por nós, pela forma que falávamos. Sempre diziam que nós parecíamos ser mais velhas do que éramos na época, pela forma como conversávamos com maturidade. Uma maturidade bem questionável, penso eu hoje em dia, já que sempre se tratavam de assuntos bem superficiais e clichês.
O anonimato daquelas pessoas não nos incomodava. Sempre fui uma menina bem coerente e com a cabeça no lugar e, apesar de saber que nem todos que estavam ali eram de fato o que diziam ser, eu gostava de fantasiar sobre aqueles indivíduos, como eles eram, o que faziam, como eram as suas vidas. Era divertido, e para mim isso bastava.
Depois desse dia, passei a frequentar mais a rede. Ficava acordada até tarde, para poder pagar mais barato pela conexão, e perdia horas de sono falando com aqueles personagens criados por pessoas insatisfeitas com o seu próprio eu e entediadas com a rotina e as pessoas que as cercavam.
Algum tempo se passou e eu me dei conta de que a internet era um mundo muito grande para eu me limitar somente aos muros das salas de bate-papo e que o que eu tinha para falar deveria transgredir aquele espaço. Afinal, era possível fazer da internet uma ferramenta para muitas outras coisas e eu sentia que estava perdendo tempo apenas conversando com aquelas pessoas, na maioria das vezes, desinteressantes e promíscuas. Passei, então, a criar e ler blogs, aprender codificação HTML, criar Fotologs, ler notícias, ler tutorias, aprender a manipular imagens, baixar músicas (coisa que, é claro, não faço mais), enfim, conhecer e criar uma infinidade de coisas.
A internet e eu somos bastante íntimas hoje em dia. Ela me dá tudo que busco e eu contribuo com as minhas frases, textos e fotografias. Gosto de olhar para trás e ver como as coisas evoluíram, inclusive eu mesma. Tenho muito a agradecer às “Gatinhas_Rio_2001”, por terem me apresentado a um mundo paralelo e novo, que com maturidade e curiosidade, destrincei a minha maneira.
O nascimento de uma internauta
Há muitos anos atrás, naveguei pela grande rede pela primeira vez. Eu estava com uma amiga na casa de um tio meu, que na época possuía o luxo de poder acessar a internet discada antes da meia-noite. Estávamos entediadas e querendo ir embora, enquanto os adultos se esbanjavam em cerveja e churrasco.
Numa tentativa bem sucedida de nos distrair e fazer com nós parássemos de perturbar nossos embriagados pais, meu tio nos apresentou às salas de bate-papo de um grande provedor e, logo de cara, já sabíamos em qual delas iriamos nos aventurar: paquera. Queríamos nos divertir! Escolhemos um nickname bem conveniente para a situação, do tipo “Gatinhas_Rio_2001” e fomos adiante.
Conhecemos uma, duas, dezenas de pessoas só naquela noite, que cheirava a picanha na brasa e álcool. Gostávamos de poder nos descrever fisicamente, o que fazíamos, obviamente, de forma a valorizar mais do que o bastante os nossos jovens e sutis atributos físicos. Gostávamos de como as pessoas se interessavam por nós, pela forma que falávamos. Sempre diziam que nós parecíamos ser mais velhas do que éramos na época, pela forma como conversávamos com maturidade. Uma maturidade bem questionável, penso eu hoje em dia, já que sempre se tratavam de assuntos bem superficiais e clichês.
O anonimato daquelas pessoas não nos incomodava. Sempre fui uma menina bem coerente e com a cabeça no lugar e, apesar de saber que nem todos que estavam ali eram de fato o que diziam ser, eu gostava de fantasiar sobre aqueles indivíduos, como eles eram, o que faziam, como eram as suas vidas. Era divertido, e para mim isso bastava.
Depois desse dia, passei a frequentar mais a rede. Ficava acordada até tarde, para poder pagar mais barato pela conexão, e perdia horas de sono falando com aqueles personagens criados por pessoas insatisfeitas com o seu próprio eu e entediadas com a rotina e as pessoas que as cercavam.
Algum tempo se passou e eu me dei conta de que a internet era um mundo muito grande para eu me limitar somente aos muros das salas de bate-papo e que o que eu tinha para falar deveria transgredir aquele espaço. Afinal, era possível fazer da internet uma ferramenta para muitas outras coisas e eu sentia que estava perdendo tempo apenas conversando com aquelas pessoas, na maioria das vezes, desinteressantes e promíscuas. Passei, então, a criar e ler blogs, aprender codificação HTML, criar Fotologs, ler notícias, ler tutorias, aprender a manipular imagens, baixar músicas (coisa que, é claro, não faço mais), enfim, conhecer e criar uma infinidade de coisas.
A internet e eu somos bastante íntimas hoje em dia. Ela me dá tudo que busco e eu contribuo com as minhas frases, textos e fotografias. Gosto de olhar para trás e ver como as coisas evoluíram, inclusive eu mesma. Tenho muito a agradecer às “Gatinhas_Rio_2001”, por terem me apresentado a um mundo paralelo e novo, que com maturidade e curiosidade, destrincei a minha maneira.
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